Como parar ou dar a partida em uma locomotiva, superando toda a inércia de milhares de toneladas? Um truque muito simples é usado…
Nem todo problema precisa de uma solução complexa complicada e cara, mas essas são as mais difíceis. Se você perguntar a dez engenheiros qual o melhor método para parar uma locomotiva, ou melhorar sua aderência em uma subida, dez pensarão me métodos complicados. É preciso genialidade para chegar a uma solução simples como usar… areia.
Trens não são brinquedo (exceto os trens de brinquedo, claro). Um trem de carga pode chegar a vários quilômetros de comprimento. Em casos extremos eles pesam mais de 18 mil toneladas, e por causa de um sujeito chamado Isaac Newton, isso é um monte de inércia.
Colocar um bicho desses em movimento não é nada fácil, muito menos pará-lo. Mesmo um trem pequeno, com apenas 3000 toneladas é puxado por uma locomotiva que não pesa mais de 200 toneladas. É preciso aplicar força de forma muito cuidadosa, pois fora o peso a única coisa que mantém a locomotiva conectada com os trilhos é o atrito deles com as rodas.
São duas peças de metal, bem lisas, material não exatamente conhecido por suas habilidades antiderrapantes. E para complicar mais ainda, note um detalhe: Todo o contato trem/trilho se resume a uma pequena parte da roda. Então você não só precisa de milhares de toneladas de tração, mas precisa aplicar essa força toda em um espaço ínfimo.
É normal as rodas das locomotivas derraparem momentaneamente, é tipo o trem cantando pneu, mas sem pneu:
Antigamente isso era bem pior, as locomotivas não tinham sensores nem controle de tração para evitar esse comportamento, e o resultado era algo assim:
Como você deve imaginar, duas peças de metal se esfregando de forma obscena a ponto de soltar faíscas não é muito bom para nenhuma das partes envolvidas. O trilho e as rodas sofrem desgaste inaceitável, em alguns casos os trilhos são destruídos, com a roda girando em falso e cavando um buraco, exigindo a paralisação da linha e troca do trilho.
Isso é ruim, a solução seria aumentar o atrito, talvez cavando raias nos trilhos e nas rodas, mas com isso o conjunto como um todo exigiria mais energia para se manter em movimento. A vantagem do trem é justamente gastar pouca energia depois que embala.
Ah sim, parar também é um problema. O mesmo baixo atrito que faz a locomotiva ter dificuldades em entrar em movimento faz com que reduzir a velocidade também dê trabalho. Se você reduzir a rotação das rodas a ponto de travarem, parabéns, você estragou suas rodas.
Felizmente (faz muito tempo) foi pensada uma solução extremamente simples para alterar sob demanda o atrito da interface trilhos/roda: Areia.
Certo, nem todo mundo é fã de areia, ela é áspera, incomoda, irrita e entra em tudo que é lugar, mas tem sua utilidade. Areia aumenta imensamente o atrito entre quaisquer partes envolvidas, um dos motivos de pouquíssimos filmes educativos serem gravados na praia, mas no nosso caso, é tudo que precisamos.
Locomotivas são equipadas com (não conte pros seus gatos) caixas de areia.
Nas locomotivas a vapor elas ficavam no alto, aquecidas pelo calor da caldeira. Um sistema de gravidade e vapor transportava a areia até as rodas. Em equipamentos mais modernos, como os feitos pela Knorr-Bremse (achava que eles eram só caldo de galinha né?) as caixas de areia ficam mais próximas às rodas da locomotiva:
Esse sistema tem uma serpentina interna ligada ao sistema elétrico do trem, usada para manter a areia aquecida e seca. Uma conexão pneumática usa ar comprimido para soprar areia direto nas rodas, aumentando imensamente o atrito quando necessário, evitando que as rodas derrapem, gerando mais tração.
Várias linhas ferroviárias só existem por causa dessa tecnologia, sem elas os trens não seriam capazes de subir determinadas ladeiras ou descê-las em segurança. Aqui o bicho em funcionamento:
Não se engane, muita tentativa e erro aconteceu até chegarem nessa resposta simples, e mesmo hoje trilhos precisam ser constantemente limpos, para evitar que a areia forme um filme não-condutor e interrompa os sinais elétricos entre o trem e os trilhos, usados para monitoramento ou, no caso dos trens elétricos, como o aterramento do sistema. Mesmo assim, é uma tecnologia de mais de 100 anos que até agora ninguém conseguiu subsitituir por nada melhor, mais barato ou mais eficiente.